Caçadora

Margens do Rio Mekong
Vietnam – Janeiro de 1974

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“Eu morri, trinta anos atrás em uma cidade bombardeada pelo nazistas, no meio dos escombros do que era um hospital infantil. Esta nova “vida” me foi presenteada por uma criatura que eu conhecia apenas da ficção. Por quase dois anos ele me ensinou sobre este estado em que estou agora. Então, ele se foi, traído por um dos seus, e me deixou sozinha para descobrir como sobreviver em meio aos que não podem morrer.”

Conferiu mais uma vez o M16, deslizando os dedos finos pela cartucho de balas. Apesar da pouca luz, enxergava perfeitamente a clareira à sua frente, onde um pequeno deck era usado pelos vietcongs que transportavam armas pelas águas turvas do Mekong. Eles, porém, não a interessavam. Uma carga mais valiosa seria transportada naquela noite. Amaldiçoou seus sentidos apurados, que lhe proporcionavam sentir com mais intensidade do cheiro de napalm que havia sido despejado ali perto naquela manhã.

“Onde estará Samantha agora? Quando a vi pela última vez ela estava organizando um escritório de advocacia em Chicago, para ajudar nossos amigos na “transição”. Talvez ela mesmo conseguisse um trabalho lá quando encerrasse mais essa missão. É, seria bom rever Samantha outra vez, apesar do jeito meio sinistro dela. É uma boa amiga. Única amiga.”

Ela afastou os cabelos vermelhos do rosto. Escutou o pequeno barco se aproximando mesmo antes dele contornar a pequena curva do rio que levava até uma parte mais larga e então a pequena armação de tábuas onde ancoraria. Agachou atrás da vegetação e aguardou. Havia ao todo sete homens na embarcação, mas apenas um deles era seu alvo. Com sorte, não teria que ferir os seis humanos. Foram exatamente eles que desembarcaram primeiro, e ficou claro que eles faziam a segurança do homem oriental vestido em roupas civis boas demais para um morador local.

– Senhor Watanabe, nós podemos fazer isso do jeito fácil ou do difícil. A escolha é sua.

O oriental olhou em direção a vegetação, de onde a voz ecoava. Seus homens se posicionaram em torno dele, e seis canos foram apontados. Um leve aceno de cabeça fez com que uma ensurdecedora rajada de balas balançassem as folhas e crivasse as arvores que circundavam a clareira.

– Parece que vai ser do jeito difícil.

A voz feminina agora vinha de uma direção totalmente diferente.

– Será mais difícil do que você imagina, sua verme maldita!

Os seis homens se afastaram um pouco de seu protegido, e ouviu-se um grunhido medonho. Simultaneamente, eles se contorceram e em instantes deixaram sua forma humana para assumir longos focinhos e mandíbulas poderosas. As mãos se converteram em patas, e os homens se apoiavam em quatro patas agora. Um coro de uivos se ouviu por sobre as águas geladas do rio.

“Lupinos. Mercenários. Watanabe realmente não mediu esforços para garantir a sua fuga do Conselho. As balas de prata no pente serão mais úteis do que imaginei. Um emprego em Chicago não parece uma má idéia agora.”

Então, a dança começou. Os lobos enormes partiram em busca da misteriosa ameaça. Um deles apenas já seria uma ameaça tremenda para um vampiro. Seis contra um seria praticamente um massacre. Mas ela não era uma vampira comum. Tinha treinamento de elite, o que a tornava o que o Conselho chamava de “executor”, uma forma mais poderosa de vampiro, capaz de enfrentar situações impossíveis para os não iniciados. Pessoalmente, ela preferia o termo “caçadora”.

E assim foi. Habilmente, correu, cercou e caçou cada um dos lobos, utilizando a prata das balas, fraqueza compartilhada por lupinos e vampiros. Não tinha gosto especial na carnificina, mas o calor da batalha lhe era aprazível, uma forma de sentir-se “viva” novamente, como se houvesse ainda sangue quente correndo em suas veias e um coração batendo em seu peito.

Os sons abafados de uivos e tiros cessaram então, por um instante. Amedrontado, Watanabe correu em direção ao pequeno barco. Porém foi parado por um estampido vindo do meio das árvores, que lhe acertou o tornozelo e o fez cair pesadamente dento da pequena embarcação. Sua algoz finalmente se revelou, vindo em um caminhar firme, porém sensual, em sua direção. Ela fitou o rosto de sua caça por alguns instantes, vendo em seus olhos a dor pelo ferimento. Sorriu para ele, e então acertou-lhe um chute na cabeça, tão forte que se fosse desferido em um humano com certeza decapitaria o infeliz. Watanabe desmaiou e agora pagaria pelas mortes de vários humanos, conduta que o Conselho proibira desde o armistício. Ela ligou o motor de popa, soltou as amarras e lançou-se rio acima.

“Um emprego em Chicago. De secretaria. Talvez até trabalhar junto com Samantha. É, não parece má idéia.”

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